A deficiência da glicose 6-fosfato desidrogenase (G6PD) consiste em uma das mais freqüentes enzimopatias conhecidas, apresentando um quadro clínico bastante heterogêneo, variando de assintomático à anemia hemolítica crônica ou aguda, colecistite, icterícia e granulomatose crônica. A sintomatologia se deve à ruptura da membrana das hemácias, em intensidade variável, na presença de agente oxidantes de origem endógena ou exógena, como alguns fármacos e alimentos. Geralmente, apenas as hemácias com mais de 50 dias apresentam deficiência acentuada de atividade de G-6-PD, enquanto as hemácias jovens têm atividade suficiente para resistir à ação hemolítica da medicação empregada.
Em indivíduos negróides, de diferentes regiões do país, a prevalência da doença chega a 10%, enquanto em caucasóides a prevalência é de aproximadamente 2%. Em Salvador, Bahia, um estudo indicou a prevalência de 3,23% de deficientes em G6PD em um grupo de 402 doadores de sangue. Outros estudos demonstraram frequências variadas da deficiência de G6PD na região amazônica, como 2% relatado por Santos et al; 6,1% por Weimer et al; e 8% por Schneider et al.
Genética e Farmacogenética
A deficiência de G6PD possui um caráter de transmissão recessivo ligado ao cromossomo X, sendo, portanto uma doença de predominância em ambos os sexos. Existem mais de 400 variantes da G6PD e estudos moleculares demonstraram que a mesma variante bioquímica pode estar associada a diferentes mutações, porém à mesma apresentação clínica. A mutação 202 (G –> A) é a mais freqüente entre os indivíduos que apresentam deficiência da G6PD. Assim, a ausência da mutação estudada 202 (G –> A) não exclui a presença de outras mutações nesta mesma região.
Indivíduos com a deficiência de G-6-PD podem apresentar quadro de hemólise aguda ao ser expostos a alguns medicamentos, como antimaláricos, antibióticos, antipiréticos, analgésicos (como aspirina), nitrofuranos, sulfonas e sulfonamidas. A crise hemolítica inicia-se de 24 a 48 horas após o início da medicação. Geralmente, a suspensão do medicamento já é suficiente para minimizar ou suspender a crise em poucos dias.
Devido ao seu caráter oxidante, a primaquina, um antimalárico, é capaz de induzir anemia hemolítica grave em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase(G6PD), mesmo em doses clássicas de 0,25mg/kg/dia, o que não ocorre em pacientes sem a enzimopatia.
Importância do screening genético
Este estudo é indicado para confirmar a suspeita de deficiência de G6PD levantada pelo Rastreamento Neonatal (“Teste do Pezinho”), para avaliar a possibilidade de mulheres heterozigotas para a mutação 202 (G > A) transmitirem-na para filhos do sexo masculino (nos quais a doença será manifestada) e elucidar casos onde já exista um histórico familiar da doença. É importante lembrar que embora mulheres heterozigotas geralmente não manifestem crise hemolítica, o screening genético é relevante para o aconselhamento genético, uma vez que filhos do sexo masculino apresentam possibilidade de 50% de serem deficientes de G-6-PD. A investigação da deficiência de G6PD também é recomendada nas áreas endêmicas de malária vivax antes do emprego de esquemas terapêuticos de primaquina. Segundo Silva et al, o estado do Pará apresenta o maior número de casos de malária registrados na Região Amazônica, com a maioria dos casos causada por P. vivax.
Referências
1. Saad S, Salles F, Carvalho M. Molecular characterization of glucose-6-phosphate dehydrogenase deficiency in Brazil. Hum. Hered. 45 (1), 1997, p. 15-20.
2. Compri B M, Polimeno N C, Vieira M J A, Saad S T O, Ramalho A S. Programa comunitário e deficiência de G-6-PD no Brasil. Rev.bras.hematol.hemoter., 2000, 22(1):33-39.
3. Kuhn V. L; Lisboa, V; Cerqueira, L. P. Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase em doadores de sangue de um hospital geral de Salvador, Bahia, Brasil. Rev. Paul. Med;101(5):175-7, 1983. 4. Silva MCM et al. Alterações clínicolaboratoriais em pacientes com malária por Plasmodium vivax e deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase tratados com 0,50mg/kg/dia de primaquina. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 37(3):215-217, mai-jun, 2004.