Olá Dra, primeiro quero agradecer por aceitar o nosso convite, a tempos venho em busca desse tipo de oportunidade, conseguir entrevistar um profissional que entende a Deficiência de G6PD, será maravilhoso esse contato para as mamães do Blog. A Dra Cláudia Paiva é a Hematologista pediatra do meu filho Arthur de 4 anos, deficiente da enzima G6PD é um grande prazer entrevista-lá.
Vamos as perguntas
1.Blog MQC-G6PD
Dra Cláudia, uma das maiores duvidas das mães está relacionada as restrições principalmente alimentar, que no caso sabemos que são restritos o feijão de fava, água tônica (por causa do quinino), corantes artificiais (por possuir naftaleno e sulfa na composição) e vinho tinto que até então nos foi explicado que é restrito por causa do sulfito, porém muitos outros alimentos possuem sulfito como conservante e nem por isso são restritos, a senhora afirma que o vinho tinto seja restrito pelo sulfito? Ou a restrição ao vinho tinto tem outro motivo que não conhecemos??
Resposta Dra Cláudia: Que eu saiba é por causa do Sulfito sim. E o Sulfito pode estar presente em diversos outros alimentos, sendo que nem sempre é mencionado nos rótulos, pois só é obrigatório constar nos rótulos a partir de uma determinada quantidade. Os produtos orgânicos (inclusive o vinho tinto) geralmente não contém sulfito.
2.Blog MQC-G6PD
Dra Cláudia, ainda falando sobre as restrições sabemos que em alguns países de fora as restrições são maiores, na Itália por exemplo eles restringem a hena e o mentol, por que essas restrições não se aplicam aqui no Brasil também?
Resposta Dra Cláudia: Existem mais de 400 variantes genéticas dentro da mesma doença. A variante genética que predomina na Itália é a Mediterrâneo, que é bem severa. Acredito que as listas de medicações e alimentos restritos devam ser elaboradas levando-se em conta o que provoca hemólise (destruição prematura dos glóbulos vermelhos do sangue) naquela determinada população.
3.Blog MQC-G6PD
Dra Cláudia, como confiar em um medicamento ou alimento restrito, visto que já conhecemos diversos casos de hemólises com os mesmos, e que outrora esses medicamentos já estiveram na lista de restrição, que hoje em algumas listas são citados como “usados com cautelas” e em outras já nem são citados mais?
Resposta Dra Cláudia: Um grande número de medicações e substâncias químicas têm a capacidade de causar hemólise em indivíduos com Deficiência de G6PD. Mas precisamos considerar alguns fatores:
– Existem variantes genéticas da doença, e a mutação do gene da enzima G6PD pode ser diferente de pessoa para pessoa. Esta mutação determina inclusive a gravidade da doença.
– Cada indivíduo tem seu próprio metabolismo, e isto pode influenciar a destruição das células vermelhas com deficiência de G6PD
– As medicações podem ser utilizadas em diferentes doses
Portanto, algumas medicações podem induzir as crises hemolíticas graves em um subgrupo genético, mas não no outro. A mesma variante genética pode manifestar-se em graus diferentes, conforme a pessoa, após exposição ao mesmo medicamento. Existem medicamentos que aparecem na lista dos que causam hemólise, mas só causam de fato se usadas em doses muito alta, e não em doses habituais.
Temos que ter atenção às novas medicações lançadas no mercado, em relação ao potencial hemolítico delas. Existem métodos in vitro para testá-las, mas nem sempre isto é feito.
4.Blog MQC-G6PD
Dra Cláudia, uma outra restrição que muita das vezes acaba com o sono de toda mãe é a vitamina C (ácido ascórbico), sabemos que em grande quantidade ele pode causar hemólise, mas e nos polivitamínicos é seguro usar? Existe uma dosagem segura?
Resposta Dra Claúdia: Não tenho esta informação, a respeito da dosagem segura a ser usada, e acho que não existe um consenso quanto a isto. Sabemos que a vitamina C proveniente dos alimentos (sendo as frutas e hortaliças de folhas verdes as principais fontes) é liberada e recomendada na dieta.
Sabemos também que, pela Sociedade Brasileira de Pediatria, NÃO EXISTE a recomendação de suplementação de vitamina C para crianças que não tenham deficiência desta vitamina. A SBP recomenda apenas suplementar Vitamina D para bebês que não tenham exposição adequada ao sol, e vitamina A em mega doses por via oral a cada 4-6 meses.
O tratamento da hipovitaminose C é feito com 300-500 mg/dl de vitamina C durante 3 meses. As formulações de vitamina C pura (Redoxon, Cebion, Cewin) costumam conter uma concentração alta desta vitamina, podendo chegar a 1-2 g. Já os polivitamínicos infantis costumam conter uma pequena quantidade, por exemplo: Protovit gotas 50mg/ml (1 ml= 24 gotas), Revitam 35 mg/ml, Clusivol 3,25 mg/ml. É provável que nesta quantidade, a vitamina C não cause hemólise, mas é preciso orientar estas famílias se optarem pelo uso pra criança.
A minha recomendação segue o Manual de Alimentação do lactente ao adolescente do Departamento de Nutrologia da SBP:
– aleitamento materno exclusivo até o sexto mês e, na impossibilidade, fórmula infantil
– aos 6 meses, introdução alimentar, com incentivo ao consumo de frutas e hortaliças de folhas verdes
– suplementação vitamínica conforme citado acima
5.Blog MQC-G6PD
Dra Cláudia, toda mãe com filho G6PDD tem a grande curiosidade e duvida quanto ao Teste Genético Molecular para G6PD, o que a senhora pensa sobre ele? É necessário? Quando realizar?
Resposta Dra Cláudia: O diagnóstico da Deficiência de G6PD é feito pela demonstração direta da redução da atividade da enzima nos glóbulos vermelhos do sangue. Vários teste de screening são utilizados, sendo eles semi-quantitativos, ou seja, capazes de classificar uma amostra como normal ou deficiente, de acordo com o ponto de corte. Estes testes de screening são perfeitamente adequados para diagnóstico de pacientes em estado de “latência”, mas não para diagnóstico daqueles que sofreram um processo de hemólise recente.
Após uma crise hemolítica, a dosagem de G6PD no sangue das pessoas com Deficiência de G6PD vai estar normal, pois a medula óssea (que é “a fábrica do sangue”) produz novos glóbulos vermelhos com uma atividade enzimática maior. Isto pode gerar um exame falso-negativo, se a amostra for coletada neste momento. Também podem ter resultados alterados aquelas amostras que sejam transportadas de forma inadequada ou que demorem a ser processadas.
Nos casos de pacientes com forte suspeita de Deficiência de G6PD e que tenham o teste de screening negativo, indica-se a realização do Teste Genético. Também é indicado para detectar a mutação em mulheres que não apresentam a doença mas que são portadoras (chamadas heterozigotas) pois herdaram a mutação da mãe. Neste último caso é importante para aconselhamento genético, visto que estas mulheres, apesar de não terem os sintomas da doença, podem passar a alteração para os filhos, que se forem do sexo masculino, terão a doença.
6. Blog MQC-G6PD
Dra Cláudia, qual a importância do diagnostico precoce da Deficiência de G6PD?
Resposta Dra Cláudia: Existem complicações decorrentes da Deficiência de G6PD que podem ocorrer ainda no período neonatal. Como exemplo o Kernicterus ou Encefalopatia Bilirrubínica. A bilirrubina é um pigmento liberado após hemólise aguda e pode impregnar na pele e mucosas, causando a chamada icterícia. Quando muito aumentada, a bilirrubina pode impregnar as células do tronco cerebral, causando esta encefalopatia grave que muitas vezes pode ser fatal. É um condição rara que pode acontecer após um episódio hemolítico agudo por contato com algum fator desencadeante.
O diagnóstico precoce da Deficiência de G6PD permite que as famílias ou cuidadores destes pacientes recebam as orientações adequadas quanto ao manejo da doença. Estamos falando de uma doença crônica hereditária, cujas manifestações clínicas podem ser na maioria das vezes evitadas no momento em que se tem o conhecimento dos agentes desencadeantes do processo de hemólise. E, como descrevi acima, estas manifestações iniciam numa fase precoce da vida, podendo ter consequências graves.
As infecções também podem desencadear este processo, devendo ser precocemente diagnosticadas e tratadas, e principalmente prevenidas.
7. Blog MQC-G6PD
Dra Cláudia, sabemos que as crises hemolíticas podem desencadear alguns danos futuros a saúde do Deficiente da enzima G6PD, poderia nos explicar melhor quais danos são esses e como isso acorre no organismo do Deficiente?
Resposta Dra Cláudia: Vou citar algumas complicações crônicas de qualquer doença que curse com episódios hemolíticos de repetição, não somente da Deficiência de G6PD. Estas complicações acontecem a longo prazo, não se desenvolvem de um dia para o outro. São elas:
– Litíse biliar (cálculos na vesícula): com a hemólise, há um aumento da bilirrubina e precipitação da mesma, causando os cálculos
– Sobrecarga de ferro: acontece pela hemólise e pelas transfusões de sangue de repetição, pois quando os glóbulos vermelhos são destruídos, liberam ferro, que quando se acumula pode pode se depositar em órgão vitais como fígado e coração, causando graves consequências
– Maior predisposição a infecções: por comprometimento do sistema imune
– Insuficiência renal: esta complicação pode ser aguda, após uma crise hemolítica, pois pode haver diminuição do fluxo sanguíneo para os rins, com consequente lesão dos mesmos
No caso específico da Deficiência de G6PD, estas complicações praticamente não ocorrem caso se evite o contato com os fatores desencadeantes do processo hemolítico.
8.Blog MQC-G6PD
Dra Claúdia, a Deficiência de G6PD diminui de alguma forma a expectativa de vida do individuo afetado? Pode na velhice essa reprodução diminuir mais ainda?
Resposta Dra Cláudia: Se a doença for bem controlada, evitando-se o contato com os fatores que desencadeiam a hemólise, com certeza não. Mas aqueles indivíduos que apresentam crises hemolíticas de repetição ou vivem em uma situação de hemólise crônica podem ter uma expectativa de vida diminuída sim. Felizmente isto não acontece hoje em dia, visto que temos condições de fazer este diagnóstico numa fase precoce da vida e as famílias destes doentes podem receber as orientações adequadas. É uma doença cujo pilar principal do tratamento é a prevenção
Quanto à velhice, o número de células vermelhas diminui com a idade, mas a sua função continua preservada, não havendo prejuízo neste sentido.
9. Blog MQC-G6PD
Dra Cláudia, recentemente lemos no site da Associação Italiana de Deficiência de G6PD que um Deficiente da enzima G6PD não pode doar sangue, o que a senhora nos diz sobre isso? Outra coisa é as mulheres que possuem a Deficiência podem sofrer com sintomas de anemia hemolítica no período menstrual?
Resposta Dra Cláudia: Os glóbulos vermelhos com atividade de G6PD reduzida, quando entram em contato com algum fator indutor de “stress oxidativo”(alterações químicas que acontecem dentro da célula), sofrem um processo de destruição prematura o qual chamamos de hemólise. O paciente que receber o sangue doado por alguém que tenha Deficiência de G6PD corre o risco de apresentar hemólise deste sangue caso entre em contato com algum fator indutor. O riso é para o receptor do sangue.
Quanto ao período menstrual, este não está ligado a um aumento da hemólise e não funciona como fator desencadeante. Mas se a mulher deficiente de G6PD tiver uma crise hemolítica aguda (desencadeada por qualquer fator) concomitante a um ciclo menstrual com perda significativa, esta pode apresentar sintomas mais exuberantes de anemia.
10. Blog MQC-G6PD
Dra Cláudia, a senhora pode nos falar sobre a diferença entre a Deficiência de G6PD e a Reprodução Tardia da enzima?
Resposta Dra Cláudia: Como o próprio nome diz, Reprodução Tardia da Enzima não significa doença. Ela pode ocorrer por uma imaturidade da Medula óssea, que é a fábrica do sangue. Portanto, a pessoa pode ter um teste de screening positivo para Deficiência de G6PD, mas ao se repetir este teste após um determinado período de tempo, o exame será normal. É aconselhável que enquanto o exame for positivo, as restrições de alimentos e medicamentos devem ser mantidas, até se descartar totalmente a possibilidade da doença.
Dra Cláudia, o Mães que cuidam G6PD agradece pela sua atenção e disponibilidade em nos atender!
Aos país do Estado do Rio de Janeiro, Niterói e região a Dra Cláudia atende no seguinte endereço:
Endereço do consultório
Rua Nóbrega, 127 – sala 1104 / Jardim Icaraí – Niterói RJ
Tel: 3741 7041
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Ótima entrevista! Esclarecedora.