Cirurgia sempre é um assunto delicado, principalmente quando envolve crianças. Muitos pais me procuram em consultório com dúvidas e inseguranças em relação a cirurgias que os filhos precisam fazer.
E quando a criança possui restrições a medicamentos, como no caso dos deficientes de g6pd, a angústia fica ainda maior.
Mas, para os deficientes de g6pd, quais os riscos?
Bom, primeiro é preciso dizer que QUALQUER cirurgia possui um risco (seja deficiente de g6pd ou não). Retirar um dente no dentista é um risco. Claro que, numa cirurgia feita de maneira programada (não em uma situação de emergência), a equipe médica faz uma avaliação do paciente, solicita exames, pode solicitar avaliações de outros especialistas (como cardiologista, por exemplo) e consegue planejar o procedimento de maneira a apresentar o menor risco possível para o paciente.
A criança com deficiência de g6pd pode fazer cirurgias, observando-se sempre a lista de restrições para que se evitem medicamentos que podem causar hemólises.
Vamos falar sobre as cirurgias eletivas (programadas) mais frequentes na infância:
–cirurgia para retirada de amígdalas e adenóides: adenoamigdalectomia
–cirurgia de fimose: postectomia
–cirurgia para correção de hérnias (de umbigo, inguinal, etc): hérniorrafia
Cirurgia de fimose:
Das três cirurgias acima, a cirurgia para fimose é a que apresenta riscos menores.
Geralmente se faz uma anestesia geral com sedação na criança, e com anestesia local o cirurgião descola a pele da região do prepúcio (região da extremidade do pênis) e resolve o problema. O risco de sangramento é mínimo.
ATENÇÃO: o anestésico BUPIVACAÍNA é restrito para os deficientes de g6pd. Leve a lista ao cirurgião e anestesista para avaliação. Lidocaína, prilocaína, ropivacaína ou outros anestésicos locais são opções seguras.
O pós-operatório (como em qualquer cirurgia) vai exigir uso de medicamentos para dor. Para os deficientes de g6pd, o medicamento mais seguro é o ibuprofeno, porém, por ser um antinflamatório, pode, em alguns casos, aumentar riscos de sangramentos. No caso da cirurgia de fimose, como a chance de sangramentos é mínima, poderia ser utilizado sem maiores problemas. Uso de compressas frias no local também ajuda a aliviar a dor. Geralmente antibióticos não são necessários no pós-operatório, mas se por algum motivo for necessário uso de antibiótico, leve sempre a lista de restrições para o cirurgião, e confira os medicamentos prescritos.
Cirurgia para correção de hérnias:
As hérnias mais frequentes nas crianças são as hérnias de umbigo e as hérnias da região inguinal.
As hérnias de umbigo raramente precisam de cirurgia corretiva, pois na maioria dos casos ela se fecha sozinha até os 3 anos de idade, e raramente causam dor.
As hérnias da região inguinal e escrotal (região dos testículos) necessitam cirurgia corretiva.
Para a correção de hérnias, assim como na cirurgia de fimose, geralmente se faz anestesia geral com sedação e depois uma anestesia local para possibilitar o procedimento cirúrgico. Também apresenta um risco mínimo para sangramentos e complicações, e no pós-operatório poderia ser usado, em caso de dor, ibuprofeno sem maiores problemas.
Quanto à anestesia, vale o mesmo critério que a cirurgia de fimose: levar a lista de restritos ao cirurgião e anestesista, e ressaltar que o anestésico Bupivacaína é restrito, sendo outros anestésicos liberados.
Também nesse caso o uso de antibióticos raramente é necessário.
Alguns casos de hérnias podem necessitar de anestesias raquidianas (raqui), onde também são usados os anestésicos de ação local, ressaltando mais uma vez a necessidade de alertar o anestesista para não usar a bupivacaína.
Cirurgia para retirada de amigdalas e/ou adenóides:
É uma cirurgia um pouco mais delicada que as anteriormente mencionadas, pois existe um risco maior de hemorragias, que, se bem avaliado pelo cirurgião otorrinolaringologista, pode ser reduzido, assim como qualquer complicação.
Neste tipo de cirurgia será realizada anestesia geral com necessidade de intubação de vias aéreas (passagem de um tubo pelas vias respiratórias do paciente, para manter a respiração através de aparelhos durante a cirurgia, e impedir que o paciente sufoque durante o procedimento).
Nenhum dos anestésicos usados na anestesia geral é restrito aos deficientes de g6pd.
Durante o procedimento o cirurgião faz a retirada dos tecidos (amigdalas e/ou adenóides) e consequente cauterização (procedimento para ajudar a cicatrizar o local) do local cirúrgico, porém, sempre há alguma perda de sangue, normal do procedimento.
É importante que o deficiente de g6pd tenha sido avaliado nos exames pré-operatórios para garantir que ele não esteja com anemia antes do procedimento, pois a perda de sangue durante a cirurgia pode agravar a anemia.
Depois da cirurgia, o paciente vai necessitar de medicações para dor, principalmente na retirada das amígdalas, que costuma ser mais dolorosa nos primeiros dias.
Muitos cirurgiões evitam o uso de antinflamatórios (como o ibuprofeno), devido ao risco aumentado de causar hemorragias no local cirúrgico.
Nesses casos, devem-se tentar medidas alternativas para aliviar a dor e diminuir o risco de sangramentos, como fazer com que a criança consuma alimentos líquidos e/ou pastosos e gelados (como sorvetes – atente-se para escolher marcas que não possuam corantes artificiais na fórmula).
Pode-se também tentar o uso de ibuprofeno em doses menores que o habitual.
Há ainda a opção do uso de medicamentos opioides (morfina) para alívio da dor, porém este só poderia ser usado em ambiente hospitalar.
Em último caso, se nenhuma outra opção para alívio da dor for possível, poderia ser utilizado o paracetamol APENAS SOB SUPERVISÃO MÉDICA RIGOROSA, de preferência no hospital, devido aos riscos de hemólise para os deficientes de g6pd.
Concluindo:
As crianças com deficiência de g6pd podem fazer procedimentos cirúrgicos com segurança, desde que respeitadas a lista de restrições, que deve ser mostrada ao cirurgião e anestesista antes da cirurgia, para que seja programado o melhor procedimento.
Além disso, todo pós-operatório deve ser avaliado atentamente, e a qualquer sinal de hemólise (palidez, sonolência, urina escura, icterícia, etc), deve-se procurar o médico que acompanha o caso, o pediatra da criança ou o serviço de pronto atendimento.
Dra. Renata Garcia Ramos Macedo
Pediatra
CRM 112112